O debate sobre a legalidade da resolução 230 do CFO

Por Dr. Anderson de Azevedo – OAB/PR 25.759

Apresentação do caso

Nos últimos dias, a mídia tem noticiado iniciativas fiscalizatórias de alguns conselhos profissionais de áreas da saúde, como o Conselho Regional de Medicina e de Odontologia do Estado de Santa Catarina, que realizaram operações juntamente com o PROCON e a Polícia Civil daquele Estado, autuando cirurgiões dentistas por supostas infrações administrativas profissionais e até mesmo pela prática de suposto crime de exercício irregular de profissional. Tais acontecimentos acaloraram discussões nas redes sociais envolvendo a classe médica e odontológica, associações representativas, dentre outras entidades, sobre a legalidade e abrangência da Resolução nº 230 do Conselho Federal de Odontologia (CFO), utilizada como fundamento desses procedimentos fiscalizatórios.

A referida Resolução do CFO limita a atuação dos cirurgiões dentistas, vedando a prática de procedimentos que o Conselho de Odontologia (e, também, o de Medicina) entende ser reserva clínica exclusiva da classe médica. Em um dos considerandos a Resolução menciona que determinados procedimentos ainda não constam no conteúdo programático dos cursos de graduação, de pós-graduação em Odontologia, e que existe carência de literatura científica relacionando tais técnicas à prática odontológica. Sob esse fundamento, dentre outros, o CFO entende que os cirurgiões dentistas não estão habilitados para a realização de determinados procedimentos estéticos da face, quais sejam: alectomia, blefaroplastia; cirurgia de castanhares ou lifting de sobrancelhas; otoplastia; rinoplastia e ritidoplastia ou face lifting.

No entanto, há um contundente descontentamento de profissionais dentistas sobre as restrições impostas pela Resolução do CFO, particularmente os cirurgiões bucomaxilofaciais, que expressam irresignação quanto à limitação de suas atividades profissionais, já que, tecnicamente, essa categoria de CDs, segundo defendem, está tecnicamente habilitada a realizar tais procedimentos, inclusive para atendimentos emergenciais em plantões de hospitais quando os pacientes possuem traumas na região da face.

Existe uma percepção da classe desses profissionais de que a Resolução pretende diferenciar claramente as atribuições dos dentistas e dos médicos, privilegiando a classe médica, e até mesmo sob um viés político, principalmente após o reconhecimento (pelo Conselho Federal de Medicina e Odontologia) da especialização em procedimentos de harmonização orofacial (que acabou invadindo um mercado antes reservado somente à cirurgia plástica). Uma espécie de contrapartida entre os conselhos profissionais, na distribuição de “reserva de mercado”.

A ABRACEF (Academia Brasileira de Cirurgia Estética da Face), entidade multidisciplinar constituída por especialistas em cirurgia bucomaxilofacial e cirurgiões especialistas de áreas médicas que apresentam como interesse comum a cirurgia estética da face, ao que consta, têm pautado o debate em seus grupos e congressos, buscando provocar o debate sobre a legalidade e a abrangência da Resolução 230 do CFO, dando voz àqueles que entendem que os cirurgiões dentistas possuem a competência necessária para realizar procedimentos estéticos na face e que o Conselho de Odontologia estaria usurpando a sua competência, ao restringir a atuação profissional dos dentistas, por meio de norma infralegal, sem a necessária autorização da Lei Federal nº 5081/66, que regula a profissão.

A comunidade acadêmica (professores e alunos de odontologia que desenvolvem suas atividades profissionais e pesquisas também têm se manifestado contrariamente à interpretação restritiva da Resolução 230 do CFO, bem como sobre o impacto dessa norma em suas expectativas de atuação profissional, especialmente considerando o crescimento da harmonização facial no mercado. Vale registrar que o art. 4º da Resolução 230 dispõe que “o cirurgião-dentista que realizar, bem como aquele que coordenar e ministrar cursos, ou de qualquer forma contribuir para a realização e divulgação dos procedimentos vedados nesta Resolução, responderá a processo ético disciplinar, sendo considerada conduta de manifesta gravidade para a gradação da pena”.

O debate está posto!

  1. Brevíssimas Considerações Jurídicas

A Resolução nº 230 do CFO é uma norma infralegal que visa regulamentar a atuação dos cirurgiões dentistas dentro dos limites definidos pela Lei nº 5081/1966, que regula o exercício da odontologia no Brasil.

A Lei nº 5081/1966 é a legislação superior que define as competências dos dentistas e estabelece as bases para sua atuação. Assim, qualquer Resolução emitida pelo CFO deve ser compatível com os parâmetros definidos pela lei. Se uma Resolução exceder esses limites, poderá ser considerada inválida ou inconstitucional.

Em termos de atividade regulamentadora, o CFO possui o poder de normatizar a profissão, mas sempre dentro do escopo legal definido pela Lei nº 5081/1966. A Resolução 230 deve ser interpretada à luz desta lei, de forma que, ao regulamentar a atuação dos dentistas, o CFO não pode criar restrições que extrapolem o que a lei superior permite.

Em que pese a Resolução 230 não fazer expressamente menção limitadora à especialidade bucomaxilofacial, em um de seus considerandos ela registra que “compete ao Conselho Federal de Odontologia a permanente necessidade de regulamentar, definir critérios e estabelecer os limites da atuação do cirurgião-dentista em harmonização orofacial, nos termos da legislação vigente”. 

Assim, os conselhos profissionais (de odontologia e de medicina) têm entendido que a restrição se aplica a toda a classe de cirurgiões dentistas e, por essa razão, iniciado procedimentos fiscalizatórios sancionatórios administrativos (e até criminais, pelo suposto exercício ilegal da profissão de médico) contra os CDs, o que tem gerado resolva da própria classe odontológica.

Ora, uma Resolução é uma norma hierarquicamente inferior a uma lei, e, portanto, não pode criar barreiras que a lei não estabelece. A Lei nº 5081/1966 permite aos dentistas atuarem em toda a face, o que inclui, em muitos casos, procedimentos estéticos. Se a Lei não limita, a lacuna legal não autoriza o Conselho limitar. A atuação do Conselho de Odontologia, em seu aspecto regulamentar, está orientada pelos princípios da Administração Pública (em que pese o CFO não ser um órgão público, mas um conselho de classe). E nesse passo, a legalidade estrita é um primado que está sendo desconsiderado pelo Conselho.

Ao limitar a atuação dos cirurgiões dentistas em procedimentos estéticos faciais, o CFO, por meio da Resolução 230, excede a  sua competência, visto que a lei superior não faz tal restrição. Cirurgiões dentistas bucomaxilofaciais, por sua formação e experiência, possuem conhecimento suficiente para realizar certos procedimentos estéticos na face, e qualquer tentativa de impedir isso via Resolução poderia ser contestada judicialmente. Inclusive, exercem tais prerrogativas quando convocados para a realização de cirurgias de urgência e de emergência em hospitais públicos. Ora, mas se estão habilitados para atuação em tais circunstâncias, porque também não o poderiam em cirurgias eletivas?

Com efeito, existem muitos argumentos teóricos e pragmáticos (que não caberiam nesse excerto) que amparam, do ponto de vista deontológico e jurídico, a atuação dos cirurgiões dentistas, particularmente os bucomaxilofaciais, para realização de procedimentos estéticos faciais com segurança, já que a sua formação os habilita a atuar de maneira eficaz e segura. E, nesse contexto, o debate é muito apropriado para o momento em que se levantam iniciativas fiscalizatórias que podem refletir nos direitos de profissionais que atuam em prol de seus pacientes e da saúde pública.

 

Conclusão

A Resolução nº 230 do CFO levanta discussões sobre a competência do Conselho para restringir a atuação dos cirurgiões dentistas bucomaxilofaciais em procedimentos estéticos faciais. 

O debate além de invadir as redes sociais também já está forçando o ajuizamento de diversas ações judiciais, pelas quais os profissionais dentistas, principalmente exercentes da especialidade bucomaxilofacial, buscam garantir o livre constitucional exercício de suas atividades clínicas sem as restrições que estão sendo impostas pelo seu próprio conselho de classe.

Diante da hierarquia normativa, o CFO deve respeitar os limites impostos pela Lei nº 5081/1966. A tentativa de impedir que esses profissionais realizem procedimentos estéticos parece ser uma restrição excessiva e que pode vir a ser contestada legalmente, tanto sob uma perspectiva constitucional quanto infraconstitucional.

Portanto, a pauta é legítima e deve conduzida de forma serena e democrática como expressão da  necessidade de se garantir a tutela da autonomia dos profissionais dentistas e de seus direitos constitucionais (o livre exercício de suas profissionais, nos termos da Lei Federal 5.081/1966).

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